Este artigo não é uma reclamação e sim uma constatação de como empresas tratam mal seus clientes mais leais. Estas mesmas empresas, ao mesmo tempo, fazem um enorme esforço para conquistar novos clientes.
Todas as empresas querem novos clientes, esta é uma tradicional maneira de crescer. O que quero compartilhar é que muitas empresas precisam desesperadamente de novos clientes porque perdem seus atuais.
Primeiramente, estou designando Clientes Leais e não Clientes Fiéis, aqueles que ficam muito tempo com um fornecedor.
Apesar de ser muito comum, se analisarmos a raiz deste termo, a expressão fidelização de clientes contém uma relação em que a razão está menos presente. Quando se é fiel a alguém ou a alguma entidade a relação é de paixão, amor cego e muitas vezes a razão não explica esta relação quase que eterna. É assim, por exemplo, a relação com os torcedores dos times de futebol, é paixão cega, também comum na relação dos animais de estimação com seus donos.
A paixão transcende a razão, é por isto que mesmo que um time de futebol perca por várias partidas e não ganhe campeonatos por anos, seus torcedores não os abandonam. Nada mais famosa do que a torcida Gaviões da Fiel e não Gaviões da Leal. Mesmo o Corinthians tendo ficado anos sem ganhar um campeonato seus torcedores jamais o abandonam.
Pois bem, a relação com empresas está mais no terreno da Lealdade, onde a razão faz parte desta relação.
Quando empresas insistem em tratar mal seus clientes, mesmo os de longa data, chega um momento em que estes clientes abandonam estas empresas e suas marcas.
É uma relação em que, apesar da admiração e longevidade da relação, atitudes de injustiça e não cumprimento dos combinados fazem a relação acabar.
Tive recentemente uma experiência que me fez refletir sobre esta relação das empresas e seus clientes.
Sou assinante do Jornal Estado de São Paulo, o conhecido Estadão, há mais de 30 anos. Para dizer a verdade esta relação já dura mais de 70 anos, pois meu pai sempre assinou o Estadão desde que eu era criança.
Sou daqueles assinantes mais tradicionais. Daqueles que gostam de ler o jornal segurando e folhando as páginas impressas logo no café da manhã. O jornal fica na casa e é lido invariavelmente por minha esposa ao final do dia. Sou um assinante que provavelmente está cada dia mais raro. Jornal impresso 7 dias por semana.
Tenho uma assinatura anual que venceu recentemente. Recebi um boleto do Estadão em casa, com a renovação automática da assinatura no valor de R$ 1.537,86 por um ano. Confesso que achei o preço alto e entrei no site do jornal para verificar o preço deste tipo de assinatura.
Qual não foi minha surpresa que, sem nenhum esforço, imediatamente encontrei oferta desta mesma assinatura por preços bem menores. Eram para os tais Novos Clientes.
Para mim que sou um Cliente Leal de tantas décadas o preço era muito mais caro. Fiquei chateado e ofendido. Afinal depois de tantos anos é assim que o Estadão trata seus leais assinantes?
Num primeiro momento senti vontade de não renovar a assinatura. Não liguei imediatamente para o jornal para cancelar a assinatura.
O detalhe é que o tal boleto chegou em casa no dia do vencimento. Apesar de terem meus dados há mais de trinta anos, não me mandaram um e-mail ou WhatsApp.
Depois de vários dias recebi um telefonema de um rapaz, que provavelmente era de uma destas centrais de Call Center, me falando que o jornal não acusou meu pagamento do boleto enviado para minha casa.
Eu respondi que ainda bem que eles não acusavam o recebimento, pois eu não tinha efetuado o pagamento mesmo.
Depois de uma rápida conversa dos motivos de meu não pagamento, falei que me senti ofendido com o valor proposto pela renovação.
Eu propus a ele que olhasse nas ofertas para os tão queridos Novos Assinantes e encontrasse qual a melhor oferta. Qual não foi meu espanto que em segundos ele me propôs um pagamento pela mesma assinatura com um desconto de aproximadamente 60%. Sim, pasmem, do valor original de R$ 1.537,86 a proposta agora foi para R$ 598,80. Tudo isto sem nenhum grande esforço, sem nenhuma briga ou ameaça.
Podem imaginar como me senti. Com um simples telefonema um enorme desconto me foi oferecido. Imaginem se eu fosse um Cliente Fiel, daqueles que a razão é substituída pela paixão e paga sem discutir. Se um dia viesse a saber como fui enganado como iria me sentir?
O ponto é que admiro muito os articulistas do Estadão, o posicionamento do jornal, eles estão ligados à parte editorial, mas tenho um profundo desapontamento pela parte comercial.
É neste ponto que chamo a atenção de como as empresas estão tratando seus clientes, principalmente os leais.
Será que enquanto uma área está fazendo ume enorme esforço para agradar o cliente dando o que ele mais precisa, mesmo antes dele pedir, numa genuína atitude de Foco Do Cliente, outras áreas da companhia estão, ao mesmo tempo, tendo atitudes que destroem o valor que os clientes têm da empresa?
Para os clientes, a empresa é um todo, tais como as pessoas que admiramos. Não adianta ser ótimo em um quesito e ter atitudes desprezíveis em outras. Cada pessoa ou empresa será avaliada como um todo.
Não adianta a área de produto desenvolver produtos espetaculares e a área de fabricação, em conjunto com suprimentos, entregar pedidos fora dos prazos combinados ou pedidos incompletos que prejudicam as programações dos clientes. Não adianta a área comercial criar relações de significado com os clientes e a área financeira mandar duplicatas vencidas ou com cobranças indevidas para os clientes.
No fim do dia as diferentes interações com todas as pessoas que representam as diferentes áreas é que construirão a percepção de valor que o cliente terá da empresa.
Este artigo tem a pretensão de convidar a todos, fazerem uma reflexão conjunta, de como cada área da empresa está atuando nos clientes e sentir como os clientes percebem nossa empresa como um todo.
As empresas são como as pessoas, seres orgânicos integrados. Não adianta o coração estar se cuidando e funcionando perfeitamente se o fígado estiver comprometido. Mesmo que várias partes estejam alinhadas com os interesses de crescimento e perpetuidade, se uma área estiver fragilizada pode comprometer o futuro.
Finalmente a reflexão que gostaria de deixar é: quem nas empresas deveriam cuidar desta percepção que os clientes têm da nossa empresa como um todo?
A outra grande lembrança é de como estamos reconhecendo e mantendo relações com os clientes leais.
Manter Clientes Leais deveria ser mais fácil do que conquistar novos clientes. Surpreendentemente não é isto que a maioria das empresas tem feito.
Abraços.
Cristiano Ramos de Souza