Desenvolvimento de produto no Foco do Cliente

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Como criar valor para um novo produto, desde o início do seu desenvolvimento? A interação com o cliente é essencial, tanto quanto a solidariedade interna é indispensável. Muito além disso, o autor nos apresenta um conjunto de sistemas e ferramentas que podem ser usados ao longo do processo para evitar frustrações e ressaltar o valor percebido.

A discussão sobre um tema tão abrangente como este requer uma delimitação de contorno. Dessa forma, como encadeamento da presente discussão, analisa-se a evolução do processo de desenvolvimento em três estágios de amadurecimento:

  • o inicial, que mostra uma maneira mais cartesiana de se fazer desenvolvimento de produto;
  • um segundo estágio, ressaltando a busca do Foco do Cliente, com o auxílio de boas ferramentas de gestão;
  • e o terceiro, que acrescenta o enfoque, que faz toda a diferença para potencializar o valor percebido do produto, desenvolvido no Foco do Cliente.

A seguir, você entenderá melhor cada um desses estágios. Confira!

Desenvolvimento de produtos

A atividade de desenvolvimento de novos produtos é frequentemente caracterizada como o processo, desencadeado e realizado pela área tecnológica da organização, para concretizar uma demanda, trazida para dentro da empresa pela área de marketing.

Essa visão de desenvolvimento usualmente revela uma forte tendência à segregação de processos e atividades entre áreas da empresa. A consequência natural é a criação do estigma de que o Marketing se orienta pelos desejos do cliente, enquanto as áreas técnicas são resistentes e orientadas para a produção.

Nesse cenário, cria-se uma dicotomia entre o foco no atendimento das finalidades internas e externas da empresa. As discussões internas na organização passam a girar em torno da especificação exigida para o novo produto demandado pelo cliente e de como seu atendimento poderá afetar os indicadores produtivos.

Ações gerenciais localizadas, motivadas pela expectativa de ganhos futuros, podem ajudar a contornar as divergências internas, de forma a fazer com que a demanda trazida para a empresa seja atendida.

O processo interno, então, se desenvolve de uma forma fortemente transacional, no qual a área de marketing solicita um serviço de desenvolvimento de produto conforme uma especificação.

A área de desenvolvimento, por sua vez, converte essa especificação em desenho de um novo produto e, finalmente, a área produtiva executa o desenho desenvolvido, de forma a atender as especificações definidas pela área de marketing.

O processo de desenvolvimento interno pode ter sua qualidade assegurada pelo fiel cumprimento dos procedimentos de controle de projetos, que visam garantir, por meio de rotinas de controle em produção e inspeção final, que o produto esteja em conformidade com a especificação definida.

Evidentemente, existe certa dose de caricatura no cenário apresentado, porém este evidencia questões muito relevantes para o êxito do processo de desenvolvimento do produto. Comecemos pela análise do processo interno.

A demanda para o desenvolvimento foi resultado da interação da área de marketing com o cliente, dentro de sua responsabilidade funcional de avaliar a oportunidade e traduzir a demanda para as especificações de produto. Aí já temos dois aspectos discutíveis: a interpretação e a tradução da demanda de forma não compartilhada, e a qualidade de avaliação das competências ou virtudes internas para concretizar esta demanda.

Essa gestão do início do processo de desenvolvimento de produto, além de apresentar uma visão míope do que costumamos chamar dados de entrada, é também recebida pela área tecnológica, responsável pela sua concretização, com ceticismo e desconfiança. O resultado é que, frequentemente, se troca o diálogo mais adequado entre as áreas (aonde queremos chegar e como vamos fazer) pela comunicação transacional (definir claramente o que é preciso fazer).

Considerando-se que os processos internos instituídos sejam sólidos o bastante para evitar que questões pessoais interfiram no cumprimento da demanda, as chances de se chegar ao resultado especificado são grandes.

Porém, o esforço interno para o desenvolvimento estará basicamente focado no atendimento da especificação, com o menor impacto possível na operação de produção (desvio do foco para as finalidades funcionais internas). Embora necessário para a austeridade na gestão dos custos operacionais, esse enfoque não pode ser dissociado da qualidade da oferta que se está gerando.

Aí está o ponto central da questão: a empresa está desenvolvendo uma nova oferta para o mercado, para a qual a especificação é um mero protocolo das características tangíveis do produto que contribuem para a satisfação do cliente, e não o objetivo em si.

Ainda sob a ótica da caracterização do processo de desenvolvimento de produto feita inicialmente, analisando-se o processo externo, nos deparamos com questões na interface empresa/cliente que muito se assemelham às questões internas discutidas acima.

As demandas e expectativas do cliente são compactadas em uma especificação de um bem a ser produzido e transferido para o mesmo. Ou seja, em vez de se olhar o Foco do Cliente, coloca-se o foco no cliente, limitando-se a buscar atender, de forma mais ágil que a concorrência, os seus pedidos e desejos (desvio do foco para as finalidades externas – foco no cliente.

Essa visão, orientada pelo mercado (e não para o mercado) torna a empresa refém de um ciclo vicioso no qual todo o esforço de melhoria, em relação à rapidez e consistência de atendimento das demandas captadas com foco no cliente, além de não gerar satisfação de suas expectativas, cria um conflito interno na empresa que só faz aumentar a polarização entre as áreas, em torno dos enfoques de atendimento das finalidades internas e externas.

Portanto, se não houver um diálogo intenso entre o cliente, a área que traz a demanda para dentro da empresa e a área que deverá concretizar essa demanda, será pouco provável que o produto concebido venha a potencializar as virtudes e competências da empresa.

Evolução da estrutura organizacional e desenvolvimento de produto no Foco do Cliente

A segunda reflexão sobre o tema passa pela seguinte questão: como podemos transformar uma atividade de desenvolvimento sob demanda (desenvolvimento de matéria-prima) em uma atividade de desenvolvimento de produtos com atributos de valor no Foco do Cliente?

No que se refere ao processo de gestão da atividade de desenvolvimento, existem ferramentas muito interessantes, como o sistema stagegate, o desdobramento da função da qualidade (QFD), o sistema matricial de gestão de projetos (PMI), que certamente ajudam a tornar o processo de desenvolvimento mais estruturado e livre de falhas evitáveis.

Algumas dessas ferramentas, como o QFD e a gestão matricial de projetos, se bem utilizadas, propiciam uma atividade de desenvolvimento altamente compartilhada, e com uma ótima qualidade de conteúdo e nivelamento de informação técnica.

Essas ferramentas permitem executar uma fase bem estruturada de planejamento, compartilhar o entendimento da demanda dentro da empresa e junto ao cliente, integrar as responsabilidades funcionais das várias áreas da empresa em torno dos objetivos do projeto, avaliar o progresso, decidir sobre os próximos passos com critérios claros e, finalmente, lançar o produto com baixo risco técnico.

Um bom sistema de gestão de projetos e um nível adequado de competência técnica podem assegurar um alto índice de sucesso nos projetos desenvolvidos, quando se avaliam os dados de saída (resultados) em relação aos dados de entrada.

No entanto, ferramentas de gestão e competência técnica não são suficientes para assegurar que o projeto gere, como resultado, um produto com valor percebido pelo cliente, ou ainda que o produto tenha sido concebido no Foco do Cliente. Assim como as especificações do produto, as ferramentas de gestão são os meios, e não o fim, para se gerar uma oferta para o cliente com alto valor percebido.

A essência desse processo é tratar o escopo do desenvolvimento de produto não como uma coisa puramente cartesiana, com objetivos totalmente definidos e mensuráveis, mas como algo que envolve objetivos claros e metas mensuráveis, mas tendo como foco a cogeração de valor.

Para que o processo possa funcionar dessa maneira, é necessário que este se desenvolva no ambiente do mercado e na mentalidade do cliente. Proximidade com o cliente e relacionamentos de confiança são fundamentais para essa inserção do processo no ambiente do mercado.

Nesse contexto de proximidade e confiança, é possível captar sinalizações tênues, percepções ou entender, de forma mais abrangente, demandas que possam se converter em ideias de desenvolvimento de utilidades para o cliente.

Ao exercitarmos essa forma de busca de oportunidades de desenvolvimento, criamos um terreno fértil para a concepção de diferenciais e rupturas que surpreendam o cliente, gerando alto valor percebido e fugindo, assim, do ciclo vicioso de melhoria do mesmo (melhoria e extensão de vida de produtos, usualmente sob demanda do cliente ou da equipe comercial).

Ainda em relação a essa etapa inicial do processo, é importante ressaltar que, à medida que nos distanciamos da rotina de melhoria de produtos, passamos a nos deparar com um volume crescente de oportunidades de desenvolvimentos, aparentemente muito interessantes. Isso gera, por sua vez, uma demanda por um processo interno de avaliação e escolha das oportunidades que serão transformadas em projetos.

Embora essa seja uma situação, em princípio, positiva, se falharmos na gestão do portfólio de oportunidades de desenvolvimento, poderemos transformar nossa virtude de proximidade e capacidade de olhar no Foco do Cliente em frustração, interna e externa, pela incapacidade de satisfazer as expectativas geradas. O tema gestão de portfólio é complexo e fascinante, merecendo um tratamento específico, que não é o foco desta abordagem.

Uma vez identificada, a oportunidade de desenvolvimento deve ser estudada e desdobrada no ambiente interno da empresa, para avaliação de viabilidade de execução. Essa é uma etapa crítica, olhando o processo no Foco do Cliente.

A intimidade com o cliente permite um diálogo franco em torno das questões de atributos de valor que podem ser acrescentados e melhorados ou diminuídos e eliminados, na concepção de um novo produto.

Porém, se nesse ambiente de intimidade não houver uma relação madura, o diálogo com o cliente pode gerar expectativas e promessas prematuras, as quais, em geral, levam a um processo conturbado e pouco eficaz de desenvolvimento. Mesmo que por uma ação sensata, porém tardia, o desenvolvimento não se inicie, o processo deixa sequelas, que poderão afetar o ambiente de cogeração de ideias no futuro.

Portanto, é muito importante que a fase de prospecção/cogeração de ideias não seja entendida, pelo cliente ou pela empresa, como uma decisão de desenvolvimento já tomada. Parece óbvio, mas são frequentes as decisões precipitadas por ímpeto ou desejo de mostrar agilidade ao cliente, que acabam criando demandas não pactuadas, fértil terreno para conflitos e perda de foco na causa.

Enfim, o processo compartilhado de avaliação e desdobramento das oportunidades potenciais, trazidas para o ambiente interno da empresa, tem como finalidade a construção de um consenso em torno de duas questões básicas: se a utilidade que se deseja desenvolver é efetivamente uma oportunidade de negócio (alinhamento com as estratégias e objetivos de negócio); e se as virtudes e competências da empresa (instaladas ou potenciais) viabilizam a concretização da oferta.

A análise crítica das conclusões resultantes passa a ser o ponto de decisão. Caso a decisão seja não iniciar o projeto, os motivos devem ser compartilhados de forma transparente com o cliente e o público interno da empresa — evidentemente, sem expor informações estratégicas ou confidenciais, que em nada agregam como esclarecimento e podem causar ruído e vulnerabilidade.

Decidindo-se pelo início do projeto, o aspecto comunicação, interna e externa, não é menos relevante. No ambiente interno da empresa, é de suma importância transformar aquele processo compartilhado de avaliação e desdobramento da ideia, que culminou com a aprovação do início do projeto, em cumplicidade entre as equipes das várias áreas funcionais da empresa, em torno do desafio que o projeto constitui para o negócio, e não apenas para as áreas de marketing e pesquisa e desenvolvimento (P&D).

No desenvolvimento do projeto, as ferramentas de gestão são importantes aliados. A abordagem das duas visões ilustradas na figura abaixo (gestão por stagegate e QFD) são complementares. Enquanto o QFD auxilia no desdobramento analítico integrado das finalidades do projeto (qualidade exigida) em seus vários componentes (especificação de características de qualidade, variáveis de processo, características de desenho), o sistema stagegate assegura que a cada fase de evolução do projeto ocorra um filtro ou uma análise crítica dos resultados alcançados e realinhamento dos próximos passos.

Em relação ao QFD, a correlação da qualidade exigida desdobrada com a especificação do produto permite compartilhar, internamente e com o cliente, o entendimento e a tradução da demanda ou utilidade. Esse exercício, além de trazer qualidade ao processo de planejamento e gestão, propicia um entendimento comum entre os envolvidos, criando vínculos mais formais em torno dos objetivos a serem perseguidos.

A experiência mostra que essa formalização e o ritual de compartilhamento provocam uma reflexão mais profunda, tanto no cliente quanto na empresa, sobre as implicações e responsabilidades assumidas junto com a decisão de levar o projeto adiante; ou seja, esses mecanismos ajudam, de forma objetiva, a reduzir a volatilidade de decisões e posições, frequente em processos com baixo grau de disciplina e formalização.

Olhando para o modelo de gerenciamento de projeto stagegate, é possível identificar nele algumas contribuições muito interessantes para o desenvolvimento do produto no Foco do Cliente. Os resultados ou as saídas projetadas para cada fase são analisadas de forma compartilhada, e o projeto só segue adiante se essa análise demonstrar consistência e robustez nos resultados.

Além de assegurar a qualidade do processo em si – condição necessária, mas não suficiente – os filtros ou a análise crítica são oportunidades de reflexão e tomadas de decisão, por vezes, dolorosas. Pode acontecer que um determinado projeto tenha sido aprovado, o produto desenvolvido em sua fase protótipo e sua avaliação concluída com êxito pelo(s) cliente(s) eleito(s); no entanto, constata-se uma limitação de processo ou equipamento, cuja solução não se vislumbra, e que impede a produção comercial daquele produto.

Em sistemas de desenvolvimento menos estruturados, é comum se forçar uma solução de contingência para fazer o projeto andar até que, lá na frente, a situação se torne insustentável, resultando em descontinuidade do produto, grande frustração e perdas no âmbito da empresa e do cliente.

Em um sistema estruturado, em que as partes envolvidas estão comprometidas e acompanham o processo passo a passo, na eventualidade de ocorrer uma situação dessas (risco de insucesso do projeto), haverá sim perdas e frustrações pela não concretização do projeto; porém, os danos no relacionamento interno e com o cliente serão infinitamente menores, dadas a clareza e a transparência com que o processo foi conduzido.

Portanto, o uso de ferramentas de gestão em projetos de desenvolvimento certamente contribui para que o resultado seja uma oferta consistente e alinhada ao Foco do Cliente, quando tais projetos são desenvolvidos no ambiente de mercado e de forma compartilhada.

Potencializando o valor percebido em projetos de desenvolvimento de produtos no Foco do Cliente

A discussão anterior sobre as formas mais convencionais de desenvolvimento de produtos, o uso de ferramentas de gestão como uma maneira de potencializar as virtudes da empresa no processo de desenvolvimento e as ações e atitudes das pessoas que orientam o processo no Foco do Cliente levam a uma terceira reflexão sobre o tema.

O que faz a diferença em desenvolvimentos reconhecidos pelo cliente como altamente alinhados com seu foco e com surpreendente valor percebido?

A figura a seguir, adaptada para a discussão em pauta, sugere um caminho:

Quando a atividade de desenvolvimento de produto apresenta um forte caráter transacional, dificilmente se consegue gerar algum valor percebido, pois não está se agregando nada para o cliente além do contratado. Ou seja, a empresa não acrescenta à oferta nada que surpreenda o cliente e, dessa forma, é percebida como um produtor de matérias-primas ou toll manufacturer.

Agregar aos novos produtos apenas aquilo que o cliente pede, ou o que o concorrente faz, gera uma rápida comodidade na atividade e inverte o papel do processo de desenvolvimento, que deixa de ser um investimento visando gerar valor crescente para o negócio e passa a ser uma despesa para se manter no negócio.

Uma boa estrutura de gestão empresarial – particularmente da atividade de desenvolvimento – e uma sólida base de competências instaladas são condições necessárias, mas não suficientes, para se sair do campo transacional.

Se acrescentarmos a essas condições uma forte motivação para o aprendizado e a clara disposição de se colocar ao lado do cliente para enxergar o que ele enxerga, em todos os níveis da organização, aí estaremos construindo o caminho para a cocriação de valor.

A experiência mostra que processos simples e rotineiros, como a “presença no cliente”, têm um grande espaço para inovação. Ações simples, como o desenvolvimento de novos canais de relacionamento e a inovação na forma de usá-los têm um potencial imenso de surpreender positivamente o cliente. Isso ocorre quando se dá a mesma importância para o fluxograma físico da atividade e para o seu fluxo psicossocial.

Imagine agora o quanto o fluxo psicossocial pode contribuir para a geração de valor percebido, no Foco do Cliente, em um processo no qual o fluxograma físico traz consigo um alto potencial de inovação. Essa combinação sinérgica dos dois fluxogramas da atividade de desenvolvimento é que vai tornar o cliente mais suscetível a perceber valor tanto nas sutilezas quanto nas diferenciações e rupturas, e menos sensível aos aspectos puramente transacionais, como o foco exclusivo na conformidade com as especificações.

E, por fim, essa sinergia entre competências técnicas, estrutura de gestão e visão de mercado no Foco do Cliente é que vai fazer com que os produtos desenvolvidos sejam efetivamente percebidos como uma oferta única, tornando a concorrência irrelevante, visto que propostas alternativas de produtos físicos semelhantes não serão capazes de oferecer os mesmos componentes do valor percebido.

Aldo Arruda Mortara

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